
Dirigido por Marc Forster
Tenho que ser honesto em dizer que, quando li O Caçador de Pipas, bestseller mundial imediato do escritor afegão Khaled Hosseini, obra a qual este filme transcreve para a telona, não achei lá essas coisas que todos estavam pintando de dourado. Com certeza, é uma obra literária muito bem escrita, bem amarrada e competentemente gerada para fazer emocionar. Porém, a movimentação em prol da obra e os comentários de Deus e o mundo me deixaram um pouco impaciente antes mesmo de conhecer a história, o que me fez não gostar tanto da história de Amir e Hassan.
Por outro lado, tenho que reconhecer que tanto o livro de Hosseini, quanto o filme de Marc Forster são competentes e muito bem realizados. Portanto, não serei injusto pela minha primeira opinião parcialmente influenciada.
Amir (Khalid Abdalla, quando adulto, e Zekeria Ebrahimi, quando criança) é o filho único de Baba (Homayoun Ershadi), um afegão rico e abastado que garante ao filho uma vida de mordomias, em uma nação assolada pela pobreza, mesmo que não demonstre afeto pelo mesmo. Junto com eles, vivem Ali (Nabi Tanha) e Hassan (Ahmad Khan Mahmoodzada), pai e filho hazaras (espécie de casta social baixa nos países muçulmanos), que são tratados por Baba como pessoas da própria família. Amir e Hassan são amigos inseparáveis, com devoção sem contestamento de Hassan a Amir, eles fazem tudo juntos, curtindo a infância como devem fazer as crianças. Porém, a certa altura, algo muito ruim acontece e a amizade dos dois estremece. Com a Guerra adentrando o Afeganistão, Baba e Amir fogem de sua terra natal, tomada pelos russos, para irem a América, tendo em vista a terra das oportunidades dos Estados Unidos. Com a fuga para outro continente, Amir deixa toda sua história para trás e constrói uma nova vida longe de seu passado. porém, muitos anos depois da Guerra ter acabado, seu passado retorna e ele tem que, finalmente, enfrentá-lo de frente.
O Caçador de Pipas é um drama forte, que deixou seu público literário chocado e faz o mesmo com boa parte de seus espectadores. Existe mensagens explícitas em sua história que não deixam a mente ficar quieta por um instante; um mix de choque, repugnamento e asco. Mas também há a presença do amor, da amizade e da superação das dificuldades que faz o contraponto para todo o horror demonstrado na história de Amir.
A qualidade técnica do filme é evidente, com cenários fantásticos, filmados na China (uma vez que o Afeganistão continua em eternos conflitos, internos e externos), que traduzem perfeitamente (do ponto de vista de um ocidental) a realidade do país, em sua prosperidade e quando assolado pela Guerra Fria. Os efeitos especiais são apenas utilizados quando necessários, mesmo porque a trama não os requer de maneira acentuada. O mesmo ponto de vista que mostra a vastidão e imensidão da vida, mostra a devastação e a solidão do ser humano. Coisa de quem tem o dom.
E quem tem o dom é, sem dúvidas, o diretor Marc Forster, responsável por ótimos filmes, como o etéreo Mais Estranho que a Ficção e o devastador A Última Ceia, além de pequenas obras de arte, como o maravilhoso Em Busca da Terra do Nunca e o estranho mas ótimo A Passagem. Dono de um currículo invejável, ele desta vez trabalha uma obra já consagrada, no lugar das histórias criadas para suas obras. De uma maneira ou de outra, ele continua com a mesma competência de sempre em garantir que a história seja passada a diante, quase intacta, com as emoções cabíveis e interpretações de porte.
Por outro lado, o roteiro do já experiente David Benioff (A Última Hora, Tróia, A Passagem) deixa alguns elementos importantes do livro de fora da trama, o que compromete um pouco o desenrolar da história e pode não deixar a melhor das impressões em quem assiste ao filme, sem ter lido o livro antes. Apenas para exemplo, o peso nas costas de Amir após sua fuga do Afeganistão não é devidamente demonstrado e não faz a ligação entre as duas metades da vida do garoto (Afeganistão e América, contada em flashbacks). Talvez, tenha sido um dos únicos pontos importantes deixados de fora para que a história fosse traduzida de maneira mais eficiente. Mas ainda assim, funciona. Vamos torcer para que em X-Men Origins: Wolverine, seus dotes de escritor estejam mais afiados, principalmente porque os fãs serão muito mais ferrenhos depois do nível de excelência de Batman - O Cavaleiro das Trevas.
Além de tudo isso, a produção teve uma ousadia enorme, com relação a sua campanha mundial de lançamento, que foi ter toda a sua trama realizada com diálogos em pashtu, língua oficial do Afegahistão. Não que nós, brasileiros, não estejamos acostumados a ler legendas, mas os americanos praticamente não sabem o que isso significa.
E para manter a qualidade da língua, Marc Forster chamou bons atores de outras nacionalidades para representar seus personagens principais, como o protagonista Khalid Abdalla (Amir adulto), Shaun Toub (Rahim Khan) e Homayoun Ershandi (Baba). Apesar das nacionalidades diferentes, todos falam fluentemente a língua original do Afeganistão. São todos eficientes e nenhum se destaca mais do que o necessário, mantendo uma eqüidade durante toda a produção. Não é um filme para brilhantismos de intérpretes, mas sim da história. Mais um ponto para Forster.
Por outro lado, se um destaque merece ser reconhecido, cabe as duas crianças Zekeria Ebrahimi e Ahmad Khan Mahmoodzada, como os jovens Amir e Hassan, respectivamente. Sem nenhum experiência prévia nos cinemas, os garotos de 12 e 14 anos (mais do que aparentam e representam) conseguem transcrever com firmeza e fidelidade os comportamentos dos personagens literários.
Como dito, O Caçador de Pipas é um filme cru, bastante chocante, em partes pelas imagens, em parte pelo confronto de culturas que pode parecer absurdo à primeira vista. Costumes e concepções de vida fazem parte da personalidade de cada um e, muitas vezes, a mera menção de algo contrário já é o suficiente para garantir um certo constrangimento. Mas é algo que depende de cada um. Como uma obra cinematográfica, poderia ter sido mais sútil em determinadas horas e mais enfático em outras.
E antes que alguém possa perguntar, como já aconteceu inúmeras vezes, a história retratada no romance não é real e não representa a vida do escritor Khaled Hosseini, apesar de parecer plausível de acontecer, depois que lemos o livro. Tragédia e redenção, ódio e amor, vergonha e arrependimento, todos os componentes para um drama estão na cara do espectador, para sensibilizar e emocionar. E é o que o filme consegue, ao menos com relação a grande maioria das pessoas, para quem tenha lido o livro ou para quem experimentou o filme em primeiro lugar. Infelizmente, eu já havia sido contaminado com o vírus do "não pode ser tudo isso que estão falando".
Nota: 7.5/10
Direção: Marc Forster
Roteiro: David Benioff & Khaled Hosseini
Elenco: Khalid Abdalla & Atossa Leoni & Shaun Toub & Zekeria Ebrahimi & Ahmad Khan Mahmoodzada & Homayoun Ershadi
Estréia: Janeiro de 2008
Gênero: Drama
Duração: 128 minutos
Distribuidora: DreamWorks SKG
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por Felipe Edlinger
25 de julho de 2008
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por Felipe Edlinger
25 de julho de 2008
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