
Directed by José Padilha
Antes de mais nada, eu gostaria de pedir desculpas pelas minhas palavras e pelo meu linguajar mas, puta que pariu, esse filme é do caralho!
O mais recente trabalho do diretor José Padilha, responsável por Ônibus 174 (2002), é um excelente exemplo de cinema moderno, sem deixar de lado o cunho social. Ainda mais contundente do que Cidade de Deus e Carandiru, este Tropa de Elite retrata a realidade de uma parte da sociedade que não queremos ver, a polícia brasileira.
José Padilha conta a saga do Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, líder e comandante de uma das tropas do BOPE, o Batalhão de Operações Policiais Especiais. Nascimento, apaixonado, fiel e dedicado a profissão, se encontra no meio de um conflito pessoal entre ser pai, ver o filho nascer e crescer ou continuar no BOPE, enfrentando a dureza e a incerteza do cotidiano no comando da tropa. Decidido a abandonar o comando, ele agora precisa indicar um substituto para a sua função, que reside na escolha de Neto (Caio Junqueira), que sempre teve o desejo de ser policial, tem sangue fervendo nas veias e a mente focada no exercício brutal de todas as horas, ou de Matias (André Ramiro), que estuda advocacia e sempre procura raciocinar antes de agir. A dificuldade se encontra em quem seria um melhor comandante, o coração de Neto ou a cabeça de Matias.
O pano de fundo da trama mostra o planejamento do BOPE para garantir a segurança do Papa João Paulo II que, durante visita ao Rio de Janeiro, faz questão de dormir em uma favela. O Capitão Nascimento contraria as decisões dos superiores, mas respeita a hierarquia da força policial, desde que essas não conflitam com sua filosofia profissional pessoal.
Aliás, Wagner Moura também é f***. Um dos grandes destaques do cinema nacional, junto com o conterrâneo Lázaro Ramos, ele é a alma do filme com seu líder de tropa. Apesar de ter interpretado um ou dois personagens estereotipados no passado, aqui ele literalmente arrebenta. Ele não demonstra perdão, mete porrada, esculacha, dá tiro na cara e não pensa duas vezes, e nas poucas vezes que isso acontece, o coração fala mais alto.
O personagem dele tem filosofias fortes, afinal, afirma que quem coopera com bandido é cúmplice de bandido, independente das condições e situações, inclusive relacionado a colegas de profissão; pra ele, policial corrupto não tem vez. Pessoalmente, acredito que devam existir exceções, mas isso depende do ponto de vista e repertório de cada um.
Nascimento enfrenta a barra pesada das decisões do dia a dia, tendo que manter a mente forte e o coração frio, o que pode influenciar sua vida pessoal e familiar. O peso da responsabilidade e a ineficiência do próprio sistema, com seus olhos cegos (ou que não querem ver), reflete em doses cavalares de remédios tranquilizantes e culmina no maltrato da própria esposa em "defesa" dos seus liderados.
Realmente, é uma luta complicada e, quase sempre, desonesta. Ainda mais quando vivemos no meio de uma Guerra Civil, que somente as autoridades não querem admitir, e as tropas precisam estar sempre nas ruas para resolver os "problemas", quase sempre de maneira pouco ortodoxa. Como dito, corrupção não tem vez.
Mas não é apenas de maus elementos que o filme fala; na verdade, a dita bandidagem é somente um elemento coadjuvante do longa metragem, os verdadeiros acusados são os que estão a favor da lei e fazem de tudo para se dar bem, mesmo que seja colaborar com o outro lado.
Porém, as justificativas são inúmeras, mas quando começam os subornos e as corrupções, a história não tem fim aparente. Começa em casa, na escola, na vida, na faculdade, no trabalho. O engraçado é que as consequências são medidas apenas no final, quando o ajuste de contas parece chegar mais perto.
A podridão e os esquemas utilizados dentro das nossas forças policiais, por muitos nem imaginados, é exposto tão cruamente que faz nascer em qualquer ser humano o sentimento de raiva, ódio e descontentamento com as impunidades. As hierarquias opressoras das instituições públicas, baseadas no poder, talvez resquício dos pensamentos militares que populam o âmago dos nossos centros públicos, revoltam a todos pelo simples fato de revogar os direitos humanos. Apenas para citar alguns exemplos, são agendamentos de férias feitos mediante suborno, coleta de dinheiro de traficantes, deslocamento e eliminação de policiais honestos, desova de corpos em lugares diferentes (por policiais) para diminuir o índice de homicídios na região dos Departamentos de Polícia, entre outros.
Mas bandidagem só existe porque há corrupção e vice-versa. O problema é muito mais embaixo do que pensamos e vemos nas mídias espalhadas pelo país a fora. E vale lembrar que a grande maioria dos moradores de favelas são pessoas comuns e honestas que, sem oportunidades melhores na vida, vêm nessas comunidades a única chance de sobrevivência com um mínimo de dignidade.
O problema é do Estado e, aparentemente, o Estado e nossos líderes políticos não fazem nada para resolvê-lo. A educação é uma possível solução para oprimir a miséria, o tráfico, os roubos e outros delitos cometidos pelos menos favorecidos, expressão em moda hoje em dia. A verdade é que policias não seriam corruptos se não ganhassem miséria, tendo que fazer serviços ilícitos por fora para garantir o próprio sustento. É claro que também existe a ganância, mas ela não é um fator determinante. A ganância não influencia milhões a roubarem 10 reais, mas 10 a roubarem milhões.
E ainda existe a impunidade das classes média e alta, expressa sem nenhum pudor durante toda a história. Os jovens com dinheiro que fomentam o tráfico de drogas, com os beseados e "tiros" de final de semana, são colocados como os grandes responsáveis pelo sustento dos traficante, pela morte de criança e adolescentes, e pela ínfima expectativa de vida daqueles ligados ao crime. Acreditam que a polícia é 100% corrupta e que os verdadeiros oprimidos são eles, uma vez que eles não traficam, apenas consomem. Mas no final das contas, nas mãos de bandidos, todo mundo é igual, é estatística, independente de amizade ou negócio.
Em parte do filme, é retratado o treinamento barra pesada do BOPE, que chega a ser surreal, desumano e sobre-humano. A humilhação, o espancamento, o sacrifício e a dor fazem com que os formados nos cursos do BOPE sejam realmente a elite da força policial brasileira. Apenas como referência, no próprio filme, Wagner Moura cita que nem o exército israelense tem soldados como eles; de um total de 100, apenas de 3 a 5 passam no curso.
A câmera nervosa, como se fosse em primeira pessoa, tropeçando e caindo, causa vertigem e desespero, e retrata o cotidiano das invasões de favelas e subidas de morros, o que consegue nos colocar ainda mais no centro dessa troca constante de tiros e ofensas, com transições muito bem feitas com cortes de cena bem planejados.
Os palavrões e insultos pesados são utilizados em praticamente todas as cenas de ação do filme, mas o linguajar e a violência não chegam a ser gratuitos, e sim necessários para que o trabalho seja representativo.
A narração em off com a voz de Wagner Moura, sem sotaques forçados e estravagantes, nem gírias regionalistas, casa perfeitamente com o ritmo do filme, opondo-se à agitação e ao corre-corre com relativa tranquilidade e paciência, explicando ponto a ponto a realidade do BOPE.
O que pode causar espanto e até transformar o filme em cult reside nas frases impactantes proferidas no decorrer da ação. Quando resolve eliminar um traficante, o Capitão Nascimento diz: "Bota na conta do Papa!", quanto tem que eliminar um policial corrupto, que está vendendo armas, que está na mira do atirador de elite: "Então, senta o dedo nessa porra!", e a melhor: "O BOPE não sobe morro para fazer cumprir a lei, sobe morro pra matar bandido".
Filmes sobre bandidos são comuns para todos os lados, vide o currículo do brilhante Quentin Tarantino, com Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Kill Bill, entre outros. São considerados cult, mas são extremamente fantasiosos e enaltecem o que a sociedade considera errado, é diversão escapista para algo que todos acham que não pode acontecer conosco.
Totalmente o oposto desses citados, BOPE é um tapa com luvas de pelica na cara dos hipócritas e dos falsos demagogos que fazem discursos mas não agem, como boa parte dos nossos representantes públicos.
Não se pode dizer que o que foi colocado nas telas é verdadeiro ou não, correto ou não, uma vez que quase nenhum de nós pode dar uma opinião com propriedades.
Enquanto Carandiru mostra a opinião dos bandidos, BOPE mostra a opinião da polícia de elite. Quem está certo? Quem sabe algum dia teremos essa resposta.
Nota: 9/10
Felipe Edlinger
29 de setembro de 2007
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