...e assim caminha a humanidade...

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quinta-feira, 7 de junho de 2007

[Cron] Os Últimos Segundos de Minha Vida

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por Felipe Edlinger
07 de junho de 2007
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Ontem à noite, quase virei um número. Na verdade, mais um número, mais uma parte de uma estatística da qual ninguém gostaria de fazer parte.
Eu, como todos, também nunca quis, mas talvez tenha esquecido de dizer isso para o lado etílico do meu cérebro, para a baixa resistência e cansaço do meu corpo, e para o poste com o qual me encontrei no acostamento.

Ainda me pego pensando como uma colisão frontal com um poste, que destruiu a dianteira de meu carro, poderia não me deixar um hematoma sequer. E como um simples deslize pode colocar toda uma história a perder, ou melhor, várias histórias, várias existências.
Fico pensando sobre os possíveis desdobramentos de atos como esse, sobre o certo e o errado, sobre as responsabilidades e as inconseqüências.

O peso nos ombros, no coração e na mente é enorme, mas tenho consciência que não é nada quando comparado ao fardo de outras pessoas. Agradeço por nada sério ter ocorrido comigo porque nunca me perdoaria pelo sofrimento das pessoas que tanto prezo e amo.
A vida não é um filme feito para cinema. Apesar das temáticas serem muito parecidas, não são duas horas de entretenimento que resumirão toda uma existência. Uma vida não é feita de 120 minutos, mas pode terminar em muito menos do que isso.

Posso dizer que, hoje, minha vida parece completa, e agradeço muito por todo o sucesso e felicidade que obtive até agora, seja pessoal, profissional ou socialmente. Tenho uma perspectiva de um futuro excelente, tenho uma família que me ama incondicionalmente, e tenho alguns amigos pelos quais me sacrificaria. Então, me pergunto dos porquês desse acontecimento.

Justo eu, que, em termos, desprezo as irresponsabilidades e inconseqüências dos seres humanos, encontro-me sendo martirizado e punido pelo meu pior crítico, eu mesmo. Não me perdôo pelo que aconteceu, pela minha falta de prudência e pela minha auto-confiança. Até ontem não havia feito nada de que poderia me arrepender do fundo de minha alma, mas hoje o ponto de vista já é outro. Culpo-me por tudo, até porque acredito que controlamos a nossa linha do tempo e tudo o que fazemos é de nossa responsabilidade. Felizmente, ainda estou aqui, e talvez, isso tenha uma razão.

Não sou religioso porque não acredito nas instituições religiosas, mas tenho uma boa espiritualidade. Não acredito em verdades e negações absolutas pregadas por fiéis, porém, acredito que existe alguém lá em cima que, de uma maneira ou de outra, olha por nós.
Também não creio que nossa vida tenha um destino pré-definido, mas um caminho superficial que pode tanger toda a nossa existência.
Por outro lado, esse caminho não é um padrão e acredito piamente que podemos mudar o curso da nossa estrada quando quisermos. Hoje, acredito que, de alguma maneira, o meu curso foi mudado.

Hoje, penso nas pequenas coincidências que não transformaram essa minha casualidade em tragédia. O cinto de segurança, a velocidade entre 60 e 70 km/h, a estrada deserta, o fato de não estar acompanhado. As conseqüências poderiam ter sido muito piores e a angústia que me corrói por dentro poderia estar corroendo outras pessoas.

Todos conhecem a expressão que diz que a sua vida inteira passa diante de seus olhos em um momento de proximidade com a morte. Por outro lado, felizmente, poucas pessoas podem dizer que isso é realmente verdade.
Eu diria que a expressão é verdadeira, porém, incompleta. Naquele momento, toda a minha vida até agora realmente passou diante dos meus olhos, as experiências, as pessoas, a família, os amores. Além disso tudo, os momentos que ainda não vieram também estavam lá, os amigos que ainda não conheci, os sorrisos que ainda não foram estampados, os desejos não concretizados, os sonhos não realizados.

Mesmo já amando os detalhes da vida, compreendo hoje, ainda mais, a beleza única de um por do sol, a sinceridade do abraço de meus pais, o amor incondicional de meu irmão, os gracejos de minha cachorra ao amanhecer, a fidelidade de meus verdadeiros amigos, a felicidade e a tristeza de uma lágrima.

Tanto por tão pouco. Felizmente, não tenho um único arranhão em meu corpo, mas a mente já tem suas seqüelas. Por mais que eu não goste de pensar nos "e se" da vida, é praticamente impossível não trazê-los à tona. Pode ser que estes sejam meus únicos demônios de toda a minha estadia neste plano, o que torço para que seja verdade.

Nesta vida, ou em outra qualquer, não existem super homens, não existe "isso nunca acontecerá comigo", não existe "não acontecerá novamente". Somos feitos de carne e osso e, por mais resistentes que pensemos ser, não o somos. Não somos onipresentes, oniscientes, onipotentes. Não somos nada para o mundo, mas podemos ser o mundo de alguém.
Um mundo que pode desmoronar por um simples deslize, por um simples erro, um lapso. Ontem, hoje, ou amanhã. Não sabemos quando, mas podemos tomar providências para que as probabilidades sejam menores.

Eu aprendi uma lição ontem. Aprendi que somos falíveis e que todos temos direito ao erro. Feliz ou infeliz, errei brutalmente, mas esse meu erro não me trouxe conseqüências sérias. Sei que muitos outros podem não ter tido ou não terão a mesma sorte. Agradeço por mim e suplico por eles.

Estou ótimo. Como disse, nem um único hematoma visível mas, com certeza, aqueles nos quais não podem mirar, são os mais pesados para mim e para meus ombros. Sou grato a quem quer que seja, por não ter uma crônica em meu arquivo, com os verdadeiros últimos segundos de minha vida. Pelo menos, não por enquanto. Tenho planos de viver mais setenta e quatro anos e, depois de ontem, tomarei as providências necessárias para que eu chegue ao meu centenário.

Penso em minha amada família e em meus amigos, porque são eles que tornam minha vida agradável e, com certeza, viva, e que, sempre, me fazem querer viver mais. Se eu não tivesse com quem dividir o agora, talvez eu não estivesse aqui neste momento.
Vejo que tenho tanto a agradecer, tanto a repartir, a dizer e a fazer, que não tenho palavras, nem idéias de por onde começar. Tenho uma vida inteira pela frente, e pretendo desfrutá-la da melhor maneira possível.

Hoje, estou vivo. Isso é o que importa.

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