...e assim caminha a humanidade...

"Não tenha medo da perfeição. Você nunca vai atingí-la." (Salvador Dali)
"Et quacumque viam dederit fortuna sequamur." (Virgílio)
"Always think about a coloured tequila sunrise life." (Felipe Edlinger)
"Foda-se a balada, o que importa é a companhia." (Felipe Edlinger)
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quarta-feira, 27 de junho de 2007

[Cron] Eu te amei por cinco vezes

- Ana Flávia?
- Eu, mesma!
- Oi... é o Fábio... lembra de mim?
- Oiiii, Fábio! Claro que lembro, como poderia esquecer! A gente se conhece a tanto tempo.
- Pois é, e põe tempo nisso!
- Verdade, uns 8 anos não é mesmo?
- Não, são mais do que 15. Depois disso, parei de contar.
- Parou de contar? Você contava há quantos anos a gente se conhecia?
- Bem, você sabe que você foi o grande amor da minha vida...
- Séééério??? Mentira...
- Ana Flávia! Você não lembra da festa de 15 anos da Laura?
- Laura? A Laurinha?
- Ela, mesma.
- Nossa, claro! Foi lá no Country Club, não foi? Demais!
- Pois então, você não lembra que eu disse que te amava naquela noite, na décima segunda música?
- Você estava falando sério?
- Não, Ana Flávia, eu adorava brincar com os sentimentos dos outros...
- Ah, bom...
- É claro que estava falando sério, Ana Flávia! Eu te amava perdidamente!
- Mas nós éramos muito novos, eu não sabia... Desculpa...
- Por mais piegas que possa soar, o amor não tem idade!
- ...
- E aquela vez, no terceiro colegial, que nós fomos ao cinema com o pessoal da escola, ver aquele romance que você queria?
- Que filme lindooooo! Nem consegui falar durante a sessão toda!
- Eu sei, cada lágrima que você derramava me partia o coração...
- Como você sabe que eu chorei naquele filme?
- Eu nem me lembro do filme direito, só tinha olhos pra você!
- Você ficou me olhando durante a sessão? Seu bobo...
- Ana Flávia, eu te amava!
- Séééério??? Mentira...
- Eu disse que te amava naquela tarde...
- Acho que me lembro... Você estava falando sério?
- Não entendo como você pode pensar desta maneira.
- Mas eu pensei que você só queria se aproveitar de mim porque eu estava emocionada... Desculpa...
- ...
- Lembro, também, que a gente entrou na faculdade juntos, lembra?
- Claro, Ana Flávia, lembro de cada festa que fomos, inclusive aquela no quarto ano.
- Verdade, aquela festa da Tequila, não foi?
- Essa mesma, você estava linda de mexicana!
- Ai, que vergonha... como você pode lembrar disso?
- Bem, eu também disse que te amava naquela noite...
- Nãããoooo... Naquela hora em que eu fui descansar atrás da barraca, não foi???
- Isso, mesmo! Queria tanto te beijar!
- Mas eu pensei que você estivesse bêbado... Desculpa...
- Ana Flávia, eu nunca havia bebido na minha vida, e você sabia disso...
- ...
- Águas passadas, daí nos formamos e eu fui pra Europa, e só voltei tempos depois.
- Eu lembro, encontrei com você em um bar, no centro da cidade, você tinha mudado bastante. Pra melhor, é claro! 'Tava de barba, bem arrumado.
- Obrigado. Lembro que conversamos muito naquele dia.
- Depois você me levou até em casa. Lembro que você estava namorando.
- Mas lembro também que eu disse que te amava, em frente ao portão da sua casa.
- Você estava namorando!
- Eu disse que ela não era nada pra mim, que minha vida não tinha significado sem você...
- Mas eu pensei que você ainda gostasse dela... Desculpa...
- Ana Flávia...
- Ei, e aquela história do seu noivado de três anos?
- Você, sempre você.
- Como assim?
- Não dá pra entender, eu desmancho um noivado de três anos, perto do casamento, largo tudo e vou correndo atrás de você e, pela quinta vez, disse que te amava... e você... nada...
- Era verdade?
- Como não poderia ser? Não sabia mais o que fazer...
- Mas eu pensei que você só queria afogar as mágoas... Desculpa...
- Ana Flávia, nunca vou te entender...
- ...
- ...
- ...
- ...
- Fábio...
- Oi, Ana Flávia...
- Acho que eu te amo!
- O quê?
- Eu te amo!
- Não, não ama, Ana Flávia!
- Claro que sim!
- Ana Flávia...
- Eu te amo! Agora vejo que fui uma tola por ter deixado você partir...
- Partir? Você me rejeitou por cinco vezes!
- Eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo, eu te amo!!!
- A vida não é simples assim...
- Mas nós podemos simplificá-la, se quisermos, Fábio querido!
- Hoje, não creio nisso, Ana Flávia...
- Mas, Fábio...
- Preciso ir, Ana Flávia! Quem sabe a gente se esbarra por aí...
- Fábio, você não pode deixar um mero momento roubar nossa felicidade!
- Ana Flávia, aos 15 anos, você roubou minha inocência. Aos 17 anos, você roubou minha mente. Aos 20, você roubou meu coração. Aos 23, minha alma. E aos 26, minha vontade de viver. Não creio que haja mais alguma coisa para ser roubada...
- Eu juro por tudo o que é mais sagrado, EU TE AMO!!!
- Por favor, não comece...
- Quantas vezes vou precisar te dizer? Mais cinco?
- Você está dizendo a verdade?
- É claro que sim, meu amor!!! Eu te amo!!!
- Bom, Ana Flávia, estou indo... Um abraço...
- Você não escutou o que eu disse???
- Claro que sim, como não poderia...
- E então, vamos ficar juntos?
- Não...
- Como não, e o que eu acabei de dizer??? Não entendo...
- Mas eu pensei que você não tinha falado com o coração... Desculpa...

Felipe Edlinger
27 de junho de 2007

(Inspirado no grande L. F. Veríssimo, se é que os textos publicados na internet são dele...)

quinta-feira, 7 de junho de 2007

[Cron] Os Últimos Segundos de Minha Vida

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por Felipe Edlinger
07 de junho de 2007
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Ontem à noite, quase virei um número. Na verdade, mais um número, mais uma parte de uma estatística da qual ninguém gostaria de fazer parte.
Eu, como todos, também nunca quis, mas talvez tenha esquecido de dizer isso para o lado etílico do meu cérebro, para a baixa resistência e cansaço do meu corpo, e para o poste com o qual me encontrei no acostamento.

Ainda me pego pensando como uma colisão frontal com um poste, que destruiu a dianteira de meu carro, poderia não me deixar um hematoma sequer. E como um simples deslize pode colocar toda uma história a perder, ou melhor, várias histórias, várias existências.
Fico pensando sobre os possíveis desdobramentos de atos como esse, sobre o certo e o errado, sobre as responsabilidades e as inconseqüências.

O peso nos ombros, no coração e na mente é enorme, mas tenho consciência que não é nada quando comparado ao fardo de outras pessoas. Agradeço por nada sério ter ocorrido comigo porque nunca me perdoaria pelo sofrimento das pessoas que tanto prezo e amo.
A vida não é um filme feito para cinema. Apesar das temáticas serem muito parecidas, não são duas horas de entretenimento que resumirão toda uma existência. Uma vida não é feita de 120 minutos, mas pode terminar em muito menos do que isso.

Posso dizer que, hoje, minha vida parece completa, e agradeço muito por todo o sucesso e felicidade que obtive até agora, seja pessoal, profissional ou socialmente. Tenho uma perspectiva de um futuro excelente, tenho uma família que me ama incondicionalmente, e tenho alguns amigos pelos quais me sacrificaria. Então, me pergunto dos porquês desse acontecimento.

Justo eu, que, em termos, desprezo as irresponsabilidades e inconseqüências dos seres humanos, encontro-me sendo martirizado e punido pelo meu pior crítico, eu mesmo. Não me perdôo pelo que aconteceu, pela minha falta de prudência e pela minha auto-confiança. Até ontem não havia feito nada de que poderia me arrepender do fundo de minha alma, mas hoje o ponto de vista já é outro. Culpo-me por tudo, até porque acredito que controlamos a nossa linha do tempo e tudo o que fazemos é de nossa responsabilidade. Felizmente, ainda estou aqui, e talvez, isso tenha uma razão.

Não sou religioso porque não acredito nas instituições religiosas, mas tenho uma boa espiritualidade. Não acredito em verdades e negações absolutas pregadas por fiéis, porém, acredito que existe alguém lá em cima que, de uma maneira ou de outra, olha por nós.
Também não creio que nossa vida tenha um destino pré-definido, mas um caminho superficial que pode tanger toda a nossa existência.
Por outro lado, esse caminho não é um padrão e acredito piamente que podemos mudar o curso da nossa estrada quando quisermos. Hoje, acredito que, de alguma maneira, o meu curso foi mudado.

Hoje, penso nas pequenas coincidências que não transformaram essa minha casualidade em tragédia. O cinto de segurança, a velocidade entre 60 e 70 km/h, a estrada deserta, o fato de não estar acompanhado. As conseqüências poderiam ter sido muito piores e a angústia que me corrói por dentro poderia estar corroendo outras pessoas.

Todos conhecem a expressão que diz que a sua vida inteira passa diante de seus olhos em um momento de proximidade com a morte. Por outro lado, felizmente, poucas pessoas podem dizer que isso é realmente verdade.
Eu diria que a expressão é verdadeira, porém, incompleta. Naquele momento, toda a minha vida até agora realmente passou diante dos meus olhos, as experiências, as pessoas, a família, os amores. Além disso tudo, os momentos que ainda não vieram também estavam lá, os amigos que ainda não conheci, os sorrisos que ainda não foram estampados, os desejos não concretizados, os sonhos não realizados.

Mesmo já amando os detalhes da vida, compreendo hoje, ainda mais, a beleza única de um por do sol, a sinceridade do abraço de meus pais, o amor incondicional de meu irmão, os gracejos de minha cachorra ao amanhecer, a fidelidade de meus verdadeiros amigos, a felicidade e a tristeza de uma lágrima.

Tanto por tão pouco. Felizmente, não tenho um único arranhão em meu corpo, mas a mente já tem suas seqüelas. Por mais que eu não goste de pensar nos "e se" da vida, é praticamente impossível não trazê-los à tona. Pode ser que estes sejam meus únicos demônios de toda a minha estadia neste plano, o que torço para que seja verdade.

Nesta vida, ou em outra qualquer, não existem super homens, não existe "isso nunca acontecerá comigo", não existe "não acontecerá novamente". Somos feitos de carne e osso e, por mais resistentes que pensemos ser, não o somos. Não somos onipresentes, oniscientes, onipotentes. Não somos nada para o mundo, mas podemos ser o mundo de alguém.
Um mundo que pode desmoronar por um simples deslize, por um simples erro, um lapso. Ontem, hoje, ou amanhã. Não sabemos quando, mas podemos tomar providências para que as probabilidades sejam menores.

Eu aprendi uma lição ontem. Aprendi que somos falíveis e que todos temos direito ao erro. Feliz ou infeliz, errei brutalmente, mas esse meu erro não me trouxe conseqüências sérias. Sei que muitos outros podem não ter tido ou não terão a mesma sorte. Agradeço por mim e suplico por eles.

Estou ótimo. Como disse, nem um único hematoma visível mas, com certeza, aqueles nos quais não podem mirar, são os mais pesados para mim e para meus ombros. Sou grato a quem quer que seja, por não ter uma crônica em meu arquivo, com os verdadeiros últimos segundos de minha vida. Pelo menos, não por enquanto. Tenho planos de viver mais setenta e quatro anos e, depois de ontem, tomarei as providências necessárias para que eu chegue ao meu centenário.

Penso em minha amada família e em meus amigos, porque são eles que tornam minha vida agradável e, com certeza, viva, e que, sempre, me fazem querer viver mais. Se eu não tivesse com quem dividir o agora, talvez eu não estivesse aqui neste momento.
Vejo que tenho tanto a agradecer, tanto a repartir, a dizer e a fazer, que não tenho palavras, nem idéias de por onde começar. Tenho uma vida inteira pela frente, e pretendo desfrutá-la da melhor maneira possível.

Hoje, estou vivo. Isso é o que importa.

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